O grande sábio, Rabi Yoel Sirkis, tinha um discípulo que era muito rico e generoso. Esse aluno nada escondia de seu mestre, com quem se aconselhava sobre todos os assuntos.
Certo dia, um taberneiro de uma aldeia procurou o rabino e relatou-lhe sua angústia: há anos sustentava-se honradamente de uma taberna, arrendada do pôrets (senhor feudal). De repente, apareceu outro homem, pedindo para arrendar a taberna, o que o deixaria sem meios de vida. O pôrets estava inclinado a aceitar a proposta e o locatário estava desesperado.
“Procure meu aluno, o milionário”, aconselhou o rabino, “e peça-lhe, em meu nome, que interceda por você junto ao pôrets. Estou certo de que, devido a sua riqueza e a seus diversos negócios, o pôrets levará em conta seu pedido e o estabelecimento ficará com você.”
O taberneiro seguiu o conselho do rabino e dirigiu-se à casa do discípulo abastado. Este preparava-se para viajar à grande feira anual que teria início no dia seguinte, e qualquer atraso na viagem poderia causar-lhe grande prejuízo. O rico consolou-o prometendo conversar com o pôrets sobre o assunto assim que voltasse da feira.
O taberneiro não se acalmou. “Até você ir e voltar posso perder minha fonte de sustento. O que será de mim, de minha esposa e de meus filhos?!” Expressou sua preocupação e lançou ao ricaço um olhar suplicante.
O abastado, porém, não se deixou levar pelo desespero do homem. “O sustento do homem é determinado em Rosh Hashaná, e ninguém pode tirar nada do que pertence a outro”, disse o abastado, na tentativa de fortalecer sua fé e confiança.
Quando o taberneiro viu que o rico não tinha a menor intenção de modificar seus planos, agradeceu-lhe a boa vontade de ajudá-lo na volta, e foi para casa com o coração pesado. Em casa, sua esposa esperava. Ela, tanto quanto ele, estava preocupada com o sustento da família. Ele contou-lhe sobre o conselho do rabino e sobre a promessa do ricaço, de que falaria com o pôrets após a feira. A mulher, tal como o marido, não ficou tranqüila. Caiu no choro e gritou para o marido: “Incompetente! Como pôde aceitar um desprezo desses?! Por que não exigiu que fosse imediatamente falar com o pôrets?!”
Houve muita tensão e briga na casa do taberneiro, nos dias que se seguiram. Mas acabaram passando, e tudo ficou bem. O rico regressou da feira e, após uma breve conversa com o pôrets a taverna permaneceu na mão do antigo arrendatário.
Passaram-se os anos e o rico faleceu. Todos da cidade foram ao seu enterro e choraram a perda daquele homem generoso, que jamais recusara-se a ajudar, com toda a boa vontade, aos necessitados. O próprio sábio, Rabi Yoel Sirkis, fez um discurso comovente sobre seu querido aluno.
Uma semana depois, o aluno apareceu a seu mestre, num sonho. Sua história, testemunho do mundo da verdade – foi perturbadora:
“Quando cheguei ao tribunal celeste, encontrei algumas almas trêmulas e preocupadas, à espera do veredicto. Entre elas havia almas de pessoas que eu conhecia. Uma delas, por exemplo, era um certo açougueiro, que foi negligente em seu trabalho e fez com que muitos tropeçassem.
“Seu julgamento teve início. A cena era apavorante. Cães e animais diversos surgiram de todos os lados, acusando-o de roubar sua comida e vendê-la aos judeus. De repente, ouviu-se uma voz que lhe falava em altos brados – ‘Como ousou dar nevelot e trefot (carne não kasher) para meus filhos comerem?!’
Mas naquele instante, apareceu um anjo defensor dizendo que o açougueiro já reconhecera seu erro, ainda em vida, e, inclusive, fizera teshuvá (arrependera-se e voltara a D-us). Doou todos os seus bens para tsedaká e jejuou até purificar sua alma, chegando ao nível de báal teshuvá (penitente). O tribunal celeste o considerou inocente e o enviou ao palácio dos baalê teshuvá.
“Quando chegou minha vez, meus joelhos tremiam. Meu julgamento foi rápido e fui declarado inocente. Imediatamente uma fileira de anjos me levou ao Gan Êden (Paraíso).
“Quando cheguei aos portões, postou-se no meu caminho um anjo, impedindo-me a passagem. ‘Quem é você e por que está bloqueando meu caminho?!’ – Perguntei espantado. ‘Sou o anjo criado a partir da bondade que você fez ao taberneiro aldeão, quando intercedeu por ele junto ao pôrets’, respondeu o anjo. Diante de tal resposta, meu espanto aumentou. ‘Como pode um anjo de bondade querer me atrapalhar?’
“O anjo suspirou e disse: ‘Embora você tenha feito uma boa ação para esse judeu, sabe o sofrimento que causou a ele e a sua família, durante o tempo em que esteve na feira? Pensou nas lágrimas derramadas por sua causa? Nas brigas e nos gritos que poderiam ter sido evitados se você tivesse agido imediatamente e não tivesse adiado sua conversa com o pôrets?’
“Por mais que eu argumentasse e me justificasse, de nada adiantou. ‘O favor que você fez para o taberneiro foi prejudicado, e para poder entrar no Paraíso você precisa corrigir essa falha’, falou o anjo avisando-me que eu precisaria esperar na porta do Gan Êden o mesmo número de dias que passei na grande feira, causando angústia ao taberneiro e a sua família.”
Algum tempo depois, o sábio Rabi Yoel Sirkis contou essa impressionante história aos habitantes de sua cidade e concluiu dizendo: “Disso aprendemos até que ponto temos de ser cuidadosos com cada mitisvá, e não retardá-la. Muito mais, ainda, quando se trata de uma mitsvá de que depende a vida de outro judeu – devemos ser ágeis e rápidos.”
(Traduzido de “Sichot Hashavua”,http://chabad.org.il)
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